quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O valor da tristeza...

Um estudo questiona a eficácia dos antidepressivos. E novas pesquisas mostram que a infelicidade pode ser boa para nós.

David Cohen, Amauri Segalla, kátia Mello e Martha Mendonça.




Quando foi lançado nos Estados Unidos, em 1987, o mais famoso medicamento antidepressivo do mundo chegou a ser apontado, pela revista Scientific American, como um “anjo que ilumina as trevas da alma”. O Prozac foi o primeiro de uma série de remédios que visam alterar o nível de serotonina, uma substância química do cérebro relacionada à sensação de prazer. Com as mudanças das últimas duas décadas no modo como a ciência médica encara a depressão, esses medicamentos se tornaram campeões de venda.

O número de pílulas consumidas no mundo inteiro pulou de 4 bilhões, em 1995, para 10 bilhões, em 2004, um aumento de 150%. No Brasil, também se registrou um salto. Há três anos, 20,6 milhões de comprimidos foram vendidos no país. No ano passado, foram 24,4 milhões (um aumento de 18,5%).

Por isso, um estudo lançado na semana passada na Public Library of Science Medicine (Biblioteca Pública da Ciência Médica) causou grande impacto. O pesquisador Irving Kirsch, da Universidade de Hull, no Reino Unido, e seus colegas revisaram os estudos clínicos de vários antidepressivos e concluíram que, nos casos de depressão leve, seus efeitos não são melhores que os de placebos. (Os placebos, pílulas sem substância ativa, são usados em um grupo separado de pacientes para avaliar quanto da melhora se deve ao remédio e quanto apenas ao efeito psicológico de ser atendido e medicado.)

Kirsch utilizou estudos que a indústria não havia divulgado. Os laboratórios foram obrigados a liberá-los pela Food And Drug Administration, o órgão regulador de medicamentos dos Estados Unidos. A indústria rebateu a conclusão, dizendo que Kirsch analisou poucos estudos. Além disso, outro estudo, lançado também na semana passada pelo Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos, afirma que o uso de antidepressivos ajuda a diminuir a taxa de suicídios.

Essa discussão provavelmente terá vida longa. E dá força a uma questão de fundo: s por que buscamos com tamanha avidez a felicidade? Boa parte do sucesso dos remédios está não numa epidemia de depressão, como apontou o psiquiatra Derek Summerfield em um recente artigo no Journal of the Royal Society of Medicine, mas numa “epidemia de receitas de antidepressivos”.

Os antidepressivos são um avanço extraordinário, diz o psiquiatra paulista Renato Del Sant, diretor do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. “Mas, para receitá-los, é preciso uma avaliação longa e precisa. Hoje, os psiquiatras estão mais preocupados em acompanhar os avanços da neurociência do que em se debruçar no histórico do paciente, muitas vezes até por falta de tempo. Por isso, o diagnóstico está cada vez mais superficial.”

Cresce no Brasil o consumo de antidepressivos*
O país é um dos dez maiores mercados de antidepressivos do mundo.
Fontes: IMS Health e laboratórios
* Em pílulas

Nessas horas, confunde-se tristeza com depressão. E dá-lhe remédio. É como se quiséssemos abolir de nossa vida toda e qualquer contrariedade. “Eu não tenho problemas de depressão, apenas de mau humor e timidez”, diz um internauta da comunidade Confissões de um Prozaquiano, que tem 160 membros no site de relacionamento Orkut. “Uso pelo estresse do dia-a-dia mesmo. É um santo remédio.” O próprio Del Sant é um exemplo contra o abuso. No ano passado, uma de suas filhas, Carlota, sofreu um acidente de trânsito e está em coma até agora. Já passou por 16 cirurgias. “Eu, minha mulher, Solange, e minha outra filha, Lorena, estamos profundamente tristes. Muitas vezes, choramos. Sentimos falta da nossa Carlota. Mas não estamos depressivos.”

Assustado com a enorme indústria que se formou em torno de nossa necessidade de ser felizes acima de tudo, um dos pioneiros do estudo da felicidade, o psicólogo americano Edward Diener – por muito tempo alcunhado de Doutor Felicidade – voltou atrás. Não à toa, seu próximo livro, em parceria com o filho, Robert Biswas-Diener, terá o título de Rethinking Happiness (Repensando a Felicidade). Diener não renega sua tese central, de que as pessoas felizes vivem mais (por ter sistemas imunes mais fortes) e são mais bem-sucedidas. Mas ele aprofundou suas pesquisas. Em geral, os estudos sobre o tema comparam pessoas felizes com pessoas infelizes. Desta vez, Diener comparou pessoas felizes e pessoas extremamente felizes. Aí, o resultado é outro. Os extremamente felizes vivem menos que os moderadamente felizes, e são menos bem-sucedidos.

Sua conclusão: há um nível de felicidade ótimo, além do qual ela se torna mais prejudicial que benéfica. Segundo ele, numa escala de 0 a 10, sendo 0 o sujeito miserável e 10 a pessoa inabalavelmente contente, o melhor é uma nota 8, nível médio de felicidade. Ele garante uma existência aprazível e traz uma margem de insatisfação que evita a letargia.

Como diz Diener, há uma lista enorme de pessoas que querem que você seja mais feliz – não importa quanto você já seja. Essa lista inclui os ativistas da psicologia positiva, uma corrente que se tornou preponderante nos Estados Unidos no fim da década de 90 e afirma que, em vez de apenas curar doenças, a medicina da mente deve tratar de elevar nosso bem-estar. Também inclui os autores de livros com receitas para sermos mais contentes, os políticos em quem você votou (porque a probabilidade é que os reeleja), os profissionais de auto-ajuda, os técnicos de laboratórios que buscam drogas cada vez mais eficazes para combater a tristeza. Até sua mãe, “porque ela o ama e provavelmente se sentirá um fracasso se você for uma pessoa infeliz”. Há, no entanto, uma corrente cada vez mais vigorosa contra essa indústria da felicidade. Ela inclui quatro vertentes de combate:

1. Felicidade tem limite
Nesse campo estão os argumentos apresentados por Diener: ser feliz demais não é bom. O contentamento em excesso torna as pessoas menos capazes, menos saudáveis, menos atentas a riscos. Além do pragmatismo de Diener, há uma questão de essência. “Cedo ou tarde na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável”, escreveu o escritor italiano Primo Levi, um sobrevivente de um campo de extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. “Poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza, eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer ‘infinito’.”

Há ainda uma terceira forma de entender os limites da felicidade. Só conseguimos ter a percepção de um sentimento em comparação com outros estados de ânimo. Como demonstram vários estudos, é a variação do humor que nos causa espasmos de alegria ou de tristeza. “Felicidade em excesso é indesejável, porque leva a uma capacidade menor de apreciá-la”, diz o historiador inglês Stuart Walton, autor de Uma História das Emoções, publicado no ano passado no Brasil. No livro, Walton examina as emoções que considera primordiais (como medo, raiva, tristeza e felicidade) e as relaciona à vida moderna. “Se você tem algo o tempo todo, não pode dizer se aquilo é bom ou ruim”, diz. “É preciso descartá-lo para saber se a tal coisa lhe oferece ganhos ou perdas.” Portanto, quem diz que é 100% feliz pode não estar falando a verdade. Felicidade, por definição, não é um estado de espírito permanente. Fosse assim, as pessoas seriam mais fortes na vida.

“A felicidade pode chegar com um amor, com uma conquista, com um fato que transformou de maneira positiva o indivíduo”, diz Walton. “Mas ela não fica para sempre. De uma hora para outra, pode e provavelmente vai partir.” Assim como a infelicidade.

Ser feliz demais não é bom. O contentamento em excesso torna as pessoas menos capazes, menos saudáveis e menos atentas a riscos.

2. Sem obstáculos, não há vitória
Uma segunda defesa da tristeza pode ser resumida pelo famoso ditado do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “O que não me mata me torna mais forte”. Ele aponta para o valor da adversidade. Como disse Paulo, em sua Carta aos Romanos: “O sofrimento produz resistência, a resistência produz caráter e o caráter produz a fé”.

Algumas pessoas que passam por grandes traumas, como a perda de um ente querido, relatam que se tornaram mais completas depois de passar pela experiência, afirma o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade de Virgínia, nos EUA, em seu livro The Happiness Hypothesis (A Hipótese da Felicidade). “Quem passa por episódios traumáticos aprende a se conhecer melhor e passa a valorizar as coisas que realmente têm importância”, escreveu Haidt. Elas dão mais valor à amizade, à família, ao tempo livre, apreciam o que têm e entendem melhor seus limites.

“Só quem vive emoções profundas e passa pela dor e pelo sofrimento é capaz de se realizar na plenitude. O homem é um ser ambíguo”, diz o filósofo brasileiro Franklin Leopoldo e Silva, que no ano passado publicou um livro chamado Felicidade – Dos Filósofos Pré-Socráticos aos Contemporâneos.

Não é por algum ingrediente precioso que o sofrimento molda o caráter. Para Haidt, isso acontece porque nós somos seres viciados em contar histórias. O que sabemos sobre nós mesmos é um relato que continuamente reescrevemos, escolhendo o que lembrar do passado e o que projetar para o futuro. As adversidades nos ajudam a criar histórias melhores. (Ou você acha que a Branca de Neve seria um bom conto se a bruxa nunca a tivesse envenenado? Hamlet teria feito sucesso se não vivesse atormentado pelo drama do assassinato de seu pai?)

É claro que os traumas, assim como podem “purificar”, podem matar. Ou estragar uma vida inteira. Crianças são especialmente suscetíveis. Algumas pesquisas mostram que a melhor época para enfrentar um grande desafio na vida é a que vai do início da adolescência até os 20 e poucos anos – quando é assim, a probabilidade de o episódio servir de estímulo, em vez de fator de paralisia, é maior.

Os estudos modernos estão de acordo com as teses levantadas há meio século por um dos maiores estudiosos de mitologia do mundo, o americano Joseph Campbell. No livro O Herói das Mil Faces, ele descreve um esquema comum a quase todos os grandes mitos da humanidade, incluindo as grandes religiões. Para se tornar um herói, a personagem recebe um “chamado”, tenta rejeitá-lo, é obrigada finalmente a aceitar a missão, viaja, passa por alguma provação, encontra alguém ou algum objeto mágico que lhe forneça uma revelação, volta mais forte, vence o obstáculo inicial e, com isso, liberta os demais, ou lidera-os no caminho da redenção. Pense em seu herói favorito, ou na história de Moisés, Jesus, Maomé, Buda, e compare com o roteiro de Campbell.

Por que é sempre assim? Para Campbell, essa trajetória faz parte de nossa psique. Em nossa formação individual, passamos também por um enredo parecido. Somos os heróis de nossa história. Quando o obstáculo é feroz demais, ou quando nos perdemos no deserto, estabelece-se o quadro neurótico. Nesses casos, o remédio é indicado. Mas tomá-lo antes de ter a oportunidade de confrontar nossos demônios é desperdiçar a oportunidade de crescer.

Marvin Minsky, um dos pais da inteligência artificial e pesquisador do MIT, nos EUA, uma das universidades mais renomadas do mundo, resumiu a questão de forma precisa. “Se pudéssemos deliberadamente controlar nossos sistemas de prazer, seríamos capazes de reproduzir o prazer do sucesso sem a necessidade de realizar coisa alguma – e isso seria o fim de tudo.”

Pessoas que passam por grandes traumas, como a perda de um ente querido, aprendem a valorizar as coisas que realmente importam.

3. A alegria ou a vida
Um terceiro ponto de defesa da tristeza vem da teoria evolucionista. Os sentimentos negativos, como angústia, tristeza e pessimismo, fazem parte de nossa natureza. A seleção natural os favoreceu porque, se não os tivéssemos, seríamos presas fáceis de adversidades. Imagine um homem pré-histórico extremamente feliz e despreocupado, saindo desarmado no meio da selva. Se esse ancestral existiu algum dia, ele morreu, provavelmente comido por um grande felino. O que sobreviveu, e deu origem à espécie humana, foi seu primo preocupado, atento – por vezes angustiado e rabugento. É assim com todos os animais. O estado de tensão é uma condição necessária à vida.

No livro Felicidade, o economista Eduardo Giannetti aponta outros riscos que o contentamento exagerado traria para a sobrevivência da civilização. Segundo Giannetti, a invenção de uma pílula que provesse todos os cidadãos de felicidade provocaria danos irreparáveis ao mundo. Na ausência de sentimentos negativos como culpa, vergonha, remorso e arrependimento, todos eles neutralizados pelo tal remédio, haveria um enfraquecimento do respeito às normas morais de convivência. As pessoas não se sentiriam psicologicamente inibidas para praticar atos terríveis porque, ao tomar a pílula, deixariam de sentir culpa ao prejudicar alguém. O resultado seria o caos completo, que muito provavelmente resultaria no aniquilamento do mundo tal qual o conhecemos.

É durante as fases de depressão que surgem os questionamentos que despertam a criatividade da pessoa atormentada.

Um comentário:

Pri disse...

Qd vc vai aener q nd eh impssível...
vc é perfeio...
bjooosss amoooo nk skece