sábado, 14 de fevereiro de 2009

O Postulado...


Genebra, 14 de julho de 2041

- “Descobrimos!!! Descobrimos!!!”, anunciou, efusiva, a GSBW (Global Scientists for a Better World), maior comunidade científica do mundo, reunida para desvendar os maiores mistérios e problemas envolvidos na preservação do meio ambiente. Surgido no início do século XXI, esse conglomerado ganhou força junto à imprensa e à opinião pública por propor uma nova abordagem, diferente da comunidade científica tradicional, ao tratar os assuntos referentes à natureza e sua relação com o Homem. Formada por estudantes egressos e dissidentes das mais importantes universidades e institutos de pesquisa do mundo (Oxford, Berkley, MIT, Nasa…) a GSBX passou mais de duas décadas comparando e analisando fatos, resultados, estatísticas, combinando fórmulas, discutindo teses e pesquisando filósofos e pensadores das mais diversas especialidades - da matemática à psicanálise, da astronomia às artes, da biologia à metafísica.Todo esse esforço veio a público no ano de 2026, quando a GSBW ganhou as primeiras páginas dos mais importantes jornais do Planeta ao anunciar a existência de uma força desconhecida até então, “A Força da Natureza”.



Foi justamente nesse ano que, oficialmente, Holanda e Bélgica deixaram de fazer parte do mapa-mundi por conta do aumento excessivo do nível do oceano. Foi então que, após uma série de ‘catástrofes naturais’, finalmente a GSBW resolveu anunciar sua descoberta.
- “Descobrimos! Somos parte de algo muito maior. A raça humana, a sociedade que construímos, é uma parte infinitamente pequena de algo infinitamente grande. Não estamos, e nunca estivemos separados,” anunciou o presidente do GSBW, o francês Honoré Saint Etiènne, durante a coletiva de imprensa realizada no Nestlé Convention Center, em Genebra.
- “Sim, mas que ‘algo’ é esse? Que partes são essas?” perguntou, incrédulo, um repórter do Reino Unido.
- “Nós, os homens e a Terra. A partir de hoje, aos olhos da ciência, não somos mais partes. Temos que enxergá-los cientificamente como um todo. Somos um só”, pontuou o Dr. Saint Etiènne.
- “ E ainda assim,” lembrou o cético cientista, “este ‘Uni-Ser’ é parte de um todo muito maior, que é o Universo. O Todo. Mas isso é material de estudo para os próximos séculos…”
- ” uhhh…”, lamentou um repórter estadunidense mal-humorado. “Lá vem..”
- “E isso não é o mais importante”, complementou o diretor de pesquisa do GSBW, o paquistanês Nasrut Fattah , “Por menor que sejamos, nós humanos temos uma função importantíssima, crucial para o equilíbrio do sistema no qual estamos inseridos. E estamos fazendo tudo errado. Estamos colocando tudo em risco. Bilhões de anos de evolução estão prestes a ir para buraco.”
E ao final, postulou:
“Nós da GSBW enxergamos a Terra como o maior ser vivo que se tem notícia até hoje. A partir dessa conclusão, se faz necessário também reclassificar os seres vivos. Hoje não mais existem mais seres unicelulares e pluricelulares, por exemplo. Biologicamente, somos todos um ser, um complexo-vivo em constante mutação. A independência dessas partes reside apenas na consciência humana. E para continuarmos a viver, é necessário mudar esse enfoque. Assim como nós, a Terra é dotada de corpo, consciência, saúde e espírito. E, consequentemente, nos engloba em suas decisões.”
- “Espírito!? Ah… Isso é balela. Daquelas piadas de hippies, teoriazinhas de Gaya,” manifestou-se outro repórter, com pressa para entregar a notícia para sua redação.
- “Exatamente, meu caro…”, respondeu pacientemente o Dr. Saint Etiènne.
- “Arnold. Meu nome é Arnold.”, cortou áspero o repórter do Daily News.
Eis que, nesse momento, pediu a palavra o mais renomado cientista da mesa, o fundador e presidente honorário da GSBW, vencedor de 25 Prêmios Nobel, o israelense Ariel Aviv. Foi o suficiente para pairar um denso silêncio no salão.
- “Os hippies estavam certos, meu caro Arnold. Todas essas catástrofes dos últimos 30 anos poderiam ter sido evitadas se, por exemplo, o ‘Flower Power Way of Life’ tivesse sido levado a sério e fosse implementado no mundo”. Pequena pausa. Um silêncio ainda maior, quase insustentável, abatera aquela coletiva de imprensa.




“ Mas não são só eles que estavam certos, meu caro Arnold,” pausadamente continuou o Dr. Aviv. “Erramos ao consumir. Ao consumir nosso intelecto a fim de satisfazer e confortar nossos instintos. Erramos ao rivalizar os povos. Erramos ao olhar para o céu e não mais formular perguntas. Erramos ao esgotar todas as fontes naturais e não pensar nos novos seres humanos que povoarão esse planeta, esse universo. Somos responsáveis pela Vida. Pela nossa vida. A Terra está fazendo a parte dela. Essas catástrofes naturais apontam para um problema muito maior. Mostram que o Planeta está enfermo e tentando, a todo custo, expulsar a bactéria. Agora, podemos assumir a função que nos cabe, de bactéria. Bactéria fundamental, que elevará o nível evolutivo do Planeta a proporções incalculáveis. Função que só cabe a nós.” Nesse momento, uma salva de palmas por parte dos jornalistas brindou a pontuação do celebrado Dr. Aviv. Sem esboçar nenhum gesto sequer, ele aguardou pacientemente o silêncio tomar conta do salão novamente e finalizou: “Ou então, podemos continuar a ser um corpo estranho, patológico, comendo pelas beiradas, com os dentes amarelos e o bafo de pinga.”Fim de coletiva. Os repórteres correram para as suas redações. A mídia tem algo sério em suas mãos.











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