quarta-feira, 23 de junho de 2010

Admirável Sarcasmo Novo


Vivemos nos chamados ‘tempos modernos’, sim? Não. Nossos pensadores atuais decidiram que estamos na época pós-moderna, capiche? Pra mim tá capiche. Bom, o cerne da questão é como a ironia (ou o sarcasmo) é usada/usado nos dias atuais. Como de praxe, voltemos um pouco na linha do tempo. Voltemos à Idade Média ou qualquer época da humanidade razoavelmente evoluída e “civilizada”. Certamente havia pessoas mais inteligentes e mais sagazes que o resto da população naqueles tempos. O senso de humor, em minha suposição, existe desde que a humanidade se lembra por humanidade, ou seja, desde sempre.
Só mudou a ‘pimenta’ usada nas piadinhas e tiradas dos tempos feudais para os dias de hoje. ‘Pimenta’ no sentido literal da palavra, uma ironia pesada ou mais leve. Ser sarcástico em tempos feudais provavelmente era encarado como loucura, burrice ou ignorância — mera inversão de papéis. Suponhamos então que, havia uma parcela que compreendia o sarcasmo e o tolerava, a parcela que compreendia e não tolerava e a que não compreendia e por conseqüência, intolerava e repreendia o engraçadinho. De lá prá, séculos de transformações políticas, econômicas e sociais nos separam, mas será que mudou muita coisa? Ao que tudo indica, pouquíssima coisa mudou.
Mas, mesmo nessa fatia mínima de mudança nas relações sociais, há uma mudança vertiginosa no uso do sarcasmo. Há o uso excessivo dele que, de tanto forçar a barra, não só banalizou a oposição-humorística relativa a situações cotidianas, como fez ele perder um pouco o seu sentido (de existência, mesmo que abstrata e psicológica). É um sarcasmo que se assemelha à fenômenos de aparições cósmicas, só dá as caras da maneira certa como um cometa halley, uns 75 anos em média. O que não falta nesses tempos pós-modernos são humoristas, dos mais diversos tipos, eis alguns deles:
Sarcasmo Aleatório: numa roda de conversa com um tema sério em discussão, o sujeito resolve esfriar o ânimo das pessoas se utilizando de um recurso que causa um resultado oposto ao desejado, isto é, o autor da pérola irônica vira motivo de chacota, tenham os participantes entendido a ‘tirada’ ou não.
Asno do Sarcasmo: aparenta ser o gênio-incompreendido, costuma se destacar em qualquer rodinha, desde olímpiadas matemáticas até mesas de boteco, mas, acaba se complicando e perdendo qualquer noção do significado do que é uma ironia; acaba por forçar os outros a rirem de seu sarcasmo sem fundamento.
Sarcástico Fantástico: segue a mesma linhagem do asno, mas tem uma sutil diferença, após perceber que ninguém entendeu seu ato de sarcasmo, resolve explicar (!) para todos qual era a real intenção e mesmo assim, ninguém continua entendendo. Acaba apelando para o argumento de que o conhecimento das pessoas na mesa não é suficiente para entender sua piadinha infâme.
Sarcástico Anônimo: quer de qualquer maneira chamar a atenção, mas como não consegue por méritos próprios, resolve ironizar tudo que é dito pelos alheios à ele. De tanto zombar dos outros, acaba zombando de si mesmo e por incrível que pareça, atinge a meta de chamar a atenção arrancando risadinhas (WTF?!).
Bem, o que mudou então da Idade da Pedra para os dias atuais em termos de sarcasmos cotidianos? Já não há mais distinção entre um humor fino e um humor gordo, ou seja, um humor dividido por classes sociais. Continua a situação de compreensão/reciprocidade, compreensão/intolerância, incompreensão/intolerância em todas elas. O que capacita uma pessoa a compreender esse sarcasmo-moderno? Repertório, bagagem cultural, ambiente de crescimento, convivências, experiências e eu arriscaria dizer que a personalidade interfere mais que todas as citadas anteriormente, embora se forme a partir delas.
Mas então, por que admirar esse sarcasmo novo? Ou por que ele causa admiração (se é que causa)? Pra mim ele serve como um tiro à queima roupa. Como tudo na vida, deve ser utilizado com moderação; na medida certa e o mais importante de tudo, na hora certa. Se utilizado em excesso, revela insegurança, arrogância e prepotência. Se utilizado na hora errada, revela falta de sensibilidade e uma imaturidade que é respondida à altura: olhares furiosos e/ou retóricas pessoais direcionadas com o intuito de colocar o indivíduo no lugar.
Todas as máscaras caem, as verdadeiras emoções ficam à flor da pele, sejam elas de cunho alegre ou raivoso, porque ninguém gosta de ser tratado como idiota (às vezes merece); o sarcasmo é provocativo e revela o lado podre (e real) da outra pessoa, revela como uma pessoa é desequilibrada ou revela como a pessoa se controla e fica numa boa. Admirável ou não, sei que ele tem um currículo respeitável.

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