Considerações Iniciais
As aventuras de Alice no País das Maravilhas são fantasias oníricas e
lúdicas sobre a realidade e a linguagem. Explorando a aparente ausência de
sentido em sentenças gramaticalmente corretas, Lewis Carroll foi um dos
pioneiros na pesquisa de uma nova ciência do discurso, por meio da
simbolização. Aparentemente destinado ao público infantil, seus contos, na
verdade ocultam questionamentos de toda espécie: lógicos ou semânticos,
problemas psicológicos de identidade e até políticos, tudo sob capa de
aventuras fantásticas.
A partir desse esclarecimento podemos dizer, embora
inconscientemente em um primeiro momento, que a obra possui um caráter
educacional ao passo que evoca no leitor um sentimento de confusão acerca
da filosofia da existência. (Isso ocorre pelo fato de tudo na obra tomar rumos
inusitados. Talvez um espelho de nossa existência). Para resposta de tais
questionamentos existencialistas, e outros, cabe às instituições de ensino,
enquanto educadoras, encaminhar o projeto de estudo filosófico visando à
educação e ao conhecimento; formando, assim, cidadãos livres, conscientes e
responsáveis.
Autor & Obra
Charles Lutwidge Dodgson, sem dúvida, mais conhecido pelo
pseudônimo de Lewis Carroll, nasceu em Daresbury, Cheshire, na Inglaterra,
em 27 de Janeiro de 1832. Estudou no colégio Christ Church, na Universidade
de Oxford, e ali ensinou entre 1855 e 1888. Foi nomeado diácono da Igreja
Aluno do 2º período do curso de Comunicação Social da Faculdade Pitágoras, Unidade
Metropolitana de Londrina. Trabalho apresentado à disciplina de “Educação, Mídia e
Conhecimento, ministrada pelo Prof. Ms. Celso Mattos.
Episcopal Anglicana em 1961, mas considerava-se “praticamente leigo” no fim
da vida. Seus interesses múltiplos incluíam a lógica, a matemática, a poesia, a
narrativa ficcional e a fotografia, da qual chegou a ser considerado um dos
mestres da época vitoriana (período que compreende a segunda metade do
século XIX e primeira década do século XX, em que os movimentos sociais
populares cederam lugar a um sistema social equilibrado grandemente, devido
à estabilidade do Império Britânico, governado pela rainha Vitória (1819-1901)).
Como fotógrafo destacou-se, sobretudo, nas fotos de meninas. Uma de suas
modelos foi a pequena Alice Liddel, filha de um amigo, o Deão Henry George
Liddel, e que se tornaria a heroína de suas duas aventuras mais famosas.
O cruzamento entre a obra ficcional de Carroll e a obra dedicada a
problemas lógicos e matemáticos é que trouxe, para a crítica do século XX, um
fascínio particular. Em várias publicações, artigos científicos, estórias ficcionais,
todas sob a alcunha de Carroll, predomina o gosto pelos paradoxos e pelo
nonsense. O conjunto desses elementos de lógica e anti-lógica é que produz o
especial sabor de que se reveste a sua obra. Lewis Carroll partiu fora do
combinado em 14 de Janeiro de 1898 em Guildford, Surrey.
Dados Bibliográficos extraídos do anexo em Alice no País das Maravilhas.
Capítulo Cinco
O Conselho de uma Lagarta
Acontece aqui uma pergunta crucial para a compreensão da obra.
Levando em consideração o grande repertório sentencial criado por Lewis
Carroll, que se utiliza de Sociologia e Filosofia para suscitar questões
humanísticas, as dúvidas acerca do que ocorreu a priori começam a se
esclarecer, podendo ser esclarecidas, também, futuras interrogações. Trata-se
de uma pergunta de caráter existencialista. A atmosfera a qual somos
apresentados refere-se a um jardim, onde uma lagarta, fumando um narguilé.
De origem Árabe, narguilé é um cachimbo de água utilizado para fumar. Seu princípio mais
comum é fazer com que a fumaça passe pela água, armazenada em seu vaso, antes de
chegar ao fumante. Por vezes, ao longo da história antiga e medieval, foi associado a riqueza e
ao poder. Fumado por Reis e Pensadores, nas respectivas rodas de diálogos.
Se posta frente à pequena Alice como uma pensadora. Além deste fato, o
pequeno animal se encontra sentado sobre um cogumelo .
“Alice e a lagarta ficaram se entreolhando por algum tempo em silêncio.
Finalmente a lagarta tirou o cigarro da boca e perguntou, com a voz lânguida e
sonolenta:
- Quem é você?”
A primeira ação, anterior ao questionamento, foi a de simples
observação. Ver e observar são atitudes totalmente paralelas, conquanto sejam
realizadas pelos mesmos órgãos visuais. Ver, envolve apenas o esforço de
abrir os olhos; Observar significa abrir a mente e usar o intelecto, entender,
interpretar. Ao dizer: “Conhece-te a ti mesmo”, Sócrates deixava claro que o
homem deve partir de suas concepções originais, para vir a ser e vir a
compreender. Sendo assim, para se descobrir o ser (matéria) enquanto
existência e também o mundo como morada, o homem, devia partir de uma
análise cujo referencial era o próprio ser. Para isso, a observação interior se
mostrava obrigatória. Não é o que vemos neste caso específico. Aqui se
apresentam duas personagens que se olham reciprocamente. Mas por que tal
observação? Ao tratar da reciprocidade no diálogo, distingue três
Martin Buber maneiras pelas quais o homem pode perceber o outro que vive diante de seus
olhos. São elas: observar, contemplar e tomar conhecimento íntimo.
Em referências históricas acerca do fungo, tem-se que em hieróglifos escritos há 4600 anos,
foram encontrados registros de que os egípcios utilizavam os cogumelos em suas práticas
religiosas e acreditavam que eles asseguravam a imortalidade. Constam desses documentos,
que os faraós proclamaram-no “comida real” e ao cidadão comum era proibido até mesmo
tocá-los. Em outros, também foram encontrados vestígios do seu uso por diversas civilizações.
Há relatos, por exemplo, de que os gregos atribuíam-lhes poderes mágicos e que os romanos
os viam como "o alimento dos deuses". Na América Central, México e Guatemala, as
civilizações pré-colombianas faziam uso de cogumelos nos seus rituais. O uso “Xamânico”
ocorreu em muitas culturas, e desde os tempos remotos vem sendo propagado que ele é o
“Soma”, uma misteriosa força de vida, cultuada pela antiga religião Hindu. Persiste, também, o
conhecimento tradicional dos cogumelos alucinógenos que, apesar de banidos, chegaram ao
século XX. Atualmente os “Xamãs” o consomem para fazer previsões.
Martin Buber (1878 - 1965) era filósofo, escritor e pedagogo, judeu de origem austríaca, e de
inspiração sionista. Tinha educação poliglota. Sua formação universitária se deu em Viena. Em Primeiro, o observador propõe a si mesmo essa função (observar) e
ordena passo a passo suas atividades, concentrando-se em gravar na sua
mente o homem que observa. Segundo, o contemplador (ou observado, neste
caso a lagarta), age de maneira despreocupada, pois se coloca em uma atitude
que lhe permite ver o objeto (Alice) livremente. Sua ação é involuntária,
portanto, não está absolutamente concentrado. A respeito do observador e do
contemplador, mencionados, Buber apresenta também características
semelhantes nos dois.
Eles têm a mesma posição: ensejam perceber o homem que vive diante
de seus olhos. Esse homem só pode ser percebido porque é um objeto
separado de suas vidas pessoais, ou seja, não fazem parte do círculo um do
outro.
E, por fim, Terceiro, tomar conhecimento íntimo, é a percepção da
totalidade do outro enquanto pessoa, o que é possível somente quando o
homem se coloca de forma elementar em relação com o outro, quando ele se
torna presença, quando “numa hora receptiva de minha vida pessoal, encontra-
se um homem em quem há alguma coisa, que eu nem consigo captar de uma
forma objetiva, que ‘diz algo’ a mim” (Buber, 1982: 42).
Sobre o “dizer algo a mim”, Buber começa a desemaranhar o diálogo
que acontecerá após os três patamares da avaliação reflexiva – recíproca.
“- Quem é você?”
Ao falar em Existencialismo, não podemos deixar de fazer referência a
duas palavras indispensáveis ao entendimento. Existência e Essência.
Quando avaliadas historicamente tem-se que Essência é anterior. De forma
latina, Essentia, deriva do verbo Esse, ser. Meditando a respeito daquilo que se
é, pensava-se na essência da coisa. Mais tarde surge em Latim outra
designação: Existentia, palavra derivada de Existere, que significa: deixar um
esconderijo. Tal qual seu significado, sua interpretação sugere um movimento
para fora, ou seja, exibir-se. Traçando paralelos, por fim, temos que Essência,
antes tida como o ser em si mesmo, é, agora, uma abstração máxima desse
ser, em oposição a Existência, que nomeia aquilo que existe concretamente.
Durante anos, filósofos discutiram qual seria a ordem das interpretações.
O maior filósofo e pensador existencialista, Jean Paul Sartre, diz ser a
Essência o fator determinante nas coisas. E exemplifica: “Vejo sobre a mesa
um corta-papel. Trata-se de um objeto que, para ser fabricado, o artífice teve
de se inspirar previamente numa idéia, como se essa fosse uma espécie de
receita, ao mesmo tempo que sua criação obedeceu a um fim utilitário, pois
seria absurdo que sua fabricação tivesse sido gratuita, sem mais nem menos.”
Isso indica, portanto, que a idéia do corta-papel, ou seja, sua essência, foi
pensada antes que lhe fosse concedida a existência.
No caso da religião e do homem, Sartre aceita a existência de um ser
transcendental (Deus) e de um ser material (homem) onde a existência
precede a essência.
Mas o que, então, significa dizer, em contrapartida as coisas e aos
animais, que a existência é anterior a essência? Heidegger, o primeiro filósofo
a lançar a corrente existencialista, explica que o homem primeiramente existe,
descobre-se no mundo; depois, se define. (Define sua essência: bom, mau,
piedoso, covarde...).
Podemos concluir, por conseguinte, que essa definição (descoberta da
essência) só é possível por atos e ações que, ao longo da vida, vão sendo
tomadas, e moldadas de acordo com a vontade do ser. De tal modo,
esclarecidos, continuemos com a prosa de Alice e a Lagarta.
“-Quem é você?”
Não se pode dizer que esse foi um começo de conversa muito animador. Alice
Respondeu, meio encabulada:
-Não estou bem certa, senhora... Quero dizer, nesse exato momento não sei
quem sou... Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho
que já mudei muitas vezes desde então...
- O que você quer dizer com isso? – Inquiriu a Lagarta, severamente. –
Explique-se melhor!
- Acho que não posso me explicar, senhora – respondeu a menina. – Porque
eu não sou eu mesma, entende?
- Não, não entendo – replicou a Lagarta.
- Acho que não consigo ser mais clara, senhora – Alice respondeu com toda a
educação. Porque, para começar, nem eu mesma consigo entender. Esse
negócio de mudar de tamanho tantas vezes num dia só é muito confuso.”
Como esclarecido anteriormente, e a fim de dar continuidade à análise,
um ser existe antes de ser definido por qualquer conceito e com o tempo vai se
modelando. Assim, sua essência surge como resultado de seus atos, daquilo
que faz de si mesmo, algo a se realizar. O homem será, conseqüentemente,
aquilo que fizer de sua vida, de sua vontade que determinará seu destino.
Quando a pequena se Alice se confronta em pensamentos dizendo: “[...]
nesse exato momento não sei quem sou... Quando acordei hoje de manhã, eu
sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então [...]”, ela
deixa claro a inconstância de ser alguém em mutação. Tomemos as mudanças
diárias da menina como um paralelo às nossas mudanças. Quando acordamos,
ou nascemos, beiramos sempre o mesmo patamar de conhecimento, enquanto
criança, pensando que o que se sabe é suficiente.
Quando avançamos em idade, de criança a adolescente, neste caso,
deixamos parte da ingenuidade e abrimos nosso “casulo” para maiores
interpretações. Ao dizer que não pode se explicar, Alice evidencia que faltam-
lhe aportes filosóficos para o embasamento na questão. Levando em
consideração o fato de Alice ser apenas uma criança e por isso não possuir
conhecimento necessário, mesmo que inconscientemente, observamos, em
contrapartida, que as questões por ela levantadas são grandes propulsoras de
reflexões. Reflexões acerca do ser, acerca de mudanças do ser, e por este
último, acerca das escolhas as quais o ser faz.
O fato de não saber quem é, não impede que Alice, ao longo da história,
escolha seus próprios caminhos por onde trilhar. Mesmo não conseguindo
entender as mudanças e o fim a que elas levam, ela escolhe. E o faz por ser
livre.
Partindo da máxima que o homem, por existir e escolher seus caminhos,
é pura liberdade , devemos pensar (e concordar) que o mesmo tem de
escolher aquilo que será no instante seguinte. Parafraseando Sartre, “o homem
deve ser inventado todos s dias.” Caso contrário, não ocorre a criação de
valores (essências) do homem enquanto ser, uma vez que tais valores são
revelados pelas nossas escolhas e moldados pelo vir-a-ser (vitórias e/ou
fracassos).
Vale lembrar que não há como fugir da escolha, pois mesmo a recusa
em escolher é uma escolha; e que, sendo a liberdade o fundamento dos
valores do homem (o que o torna totalmente livre) este passa, por conseguinte,
a ser responsável por tudo aquilo que escolhe e faz.
Por fim, a afirmação: “Esse negócio de mudar de tamanho tantas vezes
num dia só é muito confuso.”, traz consigo a mesma e inexorável carga
reflexiva do “Quem é você?” com apenas uma consideração a mais. Deixemos
o mundo onírico do País das Maravilhas para uma breve, vitalícia, e por isso
atual, contextualização.
Trata-se, apenas, de alguns reajustes. Basta substituir o “mudar de
tamanho tantas vezes num só dia” por “inúmeras vicissitudes enfrentadas na jornada da existência.
Tomando “mudar de tamanho” por vicissitudes.
Essa liberdade não se faz absoluta, pois o homem vive uma existência concreta situada no
tempo e no espaço. Portanto, é condicionada e limitada pela sociedade com suas regras e
convenções, às quais seus integrantes têm de se submeter. Em situações-limites (guerra,
morte, sofrimento...) o homem conscientiza-se das limitações impostas à livre manifestação de
sua existência.
Sentença do analista.
só dia” por existência, em sua plenitude, obtém-se o perfeito enquadramento
do homem atual.
Incluem-se nesta síntese final, todos os prós acima discutidos:
Ser como se é (“Quem é você?”), Busca pela razão de ser (Diálogos), Escolhas e conseqüências (Experiências), Vir-a-ser, pelo incontestável fato de que a vida segue, mudando
sempre.
Não posso, antes de finalizar, deixar de englobar, num uno conciso e
coerente, os cinco filósofos-base desta análise (a fim de suscitá-la).
Voltando ao passado, com Sócrates e Platão, é evidente que se faça uma
analogia conclusiva com os pensamentos de Buber, Heidegger e Sartre.
No surgimento do ser, o homem não é nada (Sartre). Ao passo que ele cresce
e descobre-se no mundo (Heidegger) através dos diálogos (Buber), deixa a
caverna platônica da ignorância no passado (Platão), passando a entender os
processos do mundo a partir de seus conhecimentos (Sócrates).
Gabriel Faria Soares Pinto.